“Os romances, contos e crónicas do Último Eça refulgem hoje com uma actualidade inusitada. Sob a diferença da conjuntura, vibra hoje, estruturalmente, o mesmo Portugal que Eça conheceu nas décadas de 80 e 90 do século XIX:
-Instituições bloqueadas ou ineficazes (Justiça, Educação, Saúde), uma classe política genericamente medíocre;
- Refugo, em todos os partidos, das notáveis direcções refundadoras da democracia;
- Uma Assembleia da República de funcionários, em que sobeja o interesse do que o pensamento;
- Um empresariado especulativo, assente no betão e no comércio de curto prazo;
- Elites jogando com a sorte, visando a fama sem suor do estudo e do trabalho;
- Um povo bárbaro rastejando em Fátima ou ululando em estádios de futebol, de olhos grudados numa televisão vocacionada para mentes imbecis, frequentando os delirantemente maiores centros comerciais da Europa.
Sabemos hoje que o Regicídio e a República não foram solução, desembocando na mais longa ditadura europeia do sec. XX, fazendo-nos regredir a uma mentalidade eclesiástica fundada no analfabetismo, na miséria e na superstição: Fátima tornou-se o altar do mundo e Portugal o último país da Europa. Em 1986, tornámo-nos europeus com 50 anos de atraso, constatando todos os dias que o sonho pombalino que há 250 anos perseguíamos se vai esboroando no interior de uma Europa decadente e fragilizada, como maximamente teorizou Eduardo Lourenço. Consciencializamos, hoje mais do que nunca, que a Europa também não é solução, e que a solução, estando nós já na Europa, não pode agora senão estar em nós – um país pequeno, medíocre, que medíocre permanecerá até meados deste século, conduzido por elites cegas, parasitárias e autofágicas, totalmente desprovidas de consciência histórica, cujo único objectivo assenta na macaqueação de modelos estrangeiros, amiúde específicos de uma realidade histórica, as mesmas elites que forçaram Eça a registar na carta à rainha D. Amélia que, face a um país assim, só se pode desejar, não que se lute pela monarquia ou pela república, mas que se remedeie casa e pão para todos, majestoso ideal humanista do Último Eça, que os nossos governos, dirigidos por engenheiros e economistas, totalmente desprovidos de espírito histórico, moldados por uma mentalidade contabilista, criados à sombra do paternalismo do estado, movidos por um afã liberal num povo envelhecido e secularmente carecido de riqueza e protecção, continuam a achar desprezível, contribuído para tornar mais pobres as populações pobres.
A tais seres, espectros permanentes da política portuguesa desde o século XIX, responde hoje o povo como respondia no tempo de Eça, emigrando: 90 mil portugueses abandonam o país por ano (in Público, 15/08/2006). É, sem dúvida, a melhor resposta que se pode dar, emigrar, abandonar Portugal aos fâmulos fantasmáticos da economia a todo o custo. Como no tempo de Eça, substitui-se a pessoa pelo orçamento. Em Portugal, país habitado por dois milhões de pobres, menos Estado significa miséria, menos protecção, menos hospitais, menos escolas, menos transportes públicos e mais lucros individuais, bafejando não a classe média sólida – futura e exclusiva salvação de Portugal – mas uma minoritária classe financeira especulativa e um minoritário empresariado ostensivo, com evidente mentalidade de patrão. Ler hoje Eça – e antes de mais o último Eça, constitui um bálsamo para suportar a farsa, por vezes trágica, por vezes jocosa, em que Portugal se tornou desde a década de 80, quando a direcção política dos pais fundadores da democracia foi substituída por “jovens turcos” providos de Algarve, das Beiras e do Norte crescidos e enformados no interior dos partidos, possuindo destes a visão instrumental de acesso ao poder e de nobilitação individual e não de nobilitação das populações.
Concentremos a nossa esperança nas elites futuras e não esperemos nada de redentor das presentes senão aquilo a que um resto de pudor cristão, bom senso e a legislação europeia as obriguem a fazer. Da cabeça própria, esperemos apenas ignorância, sobranceria e estupidez. Entretanto, leiamos Eça, sublimando o facto de termos nascido em Portugal em época de profunda mediocridade geral, onde, à semelhança do final da Regeneração, de novo impera, avassaladoramente – como o Último Eça desmascarou, a democracia sem valor nem mérito, a omnipotência do dinheiro, o império de uma educação sem alma, inspirada em sociólogos de olhos numéricos e mente vazia, e o esboroamento dos antigos humanistas europeus da generosidade, da honestidade e da espiritualidade.” (in Miguel Real, O Último Eça, Quidnovi, Novembro de 2006)
Palavras para quê? O Prof. Miguel Real diz quase tudo, o resto deixo para vocês meus amigos...
domingo, 18 de janeiro de 2009
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